Dia-a-dia de um distrito rural, doze concelhos e meia dúzia de pequenas cidades encravadas nas montanhas mais a norte de Portugal
28 de Agosto de 2009

Há milhões de anos atrás, as movimentações tectónicas e outros fenómenos geológicos formaram um verdadeiro monumento natural a que os locais chamam  de Fraga do Arco. A intenção do PARM é vir a classificar o local como sítio de interesse geológico, assinalando assim um momento da história do planeta Terra

 

Entre a aldeia de Felgueiras e Maçores, nas fraldas da Serra do Reboredo, encontra-se o que se pode chamar de “monumento natural”: a Fraga do Arco que, como o nome indica, traça um arco perfeito, suspenso apenas nas pontas,  formando uma gruta natural que, ao longo de milhares de anos, tem servido de abrigo ao homem e a espécies como o lobo.

O local, de difícil acesso, foi visitado, neste passado Sábado, no âmbito de uma visita organizada pelo Projecto Arqueológico de Torre de Moncorvo (PARM), inserida nas actividades do Ciência Viva no Verão. Mais de 20 participantes, crianças, jovens e adultos, do concelho e de vários pontos do país, quiseram ver esta formação natural e assistir à explicação geológica do fenómeno. Munidos de calçado apropriado, (alguns), chapéus, água e a inevitável máquina fotográfica para imortalizar vários momentos, os participantes reuniram-se junto ao Museu do Ferro, na vila de Moncorvo, para dar início à viagem, realizada em duas fases. Partindo de autocarro até ao cimo da aldeia de Felgueiras, os participantes seguiram depois num velho jipe, por caminhos íngremes de terra onde mal se cruzavam dois carros, naquilo que os mais novos classificaram como uma “verdadeira aventura”.

Pelo caminho, o geólogo Rui Rodrigues, um jovem natural da região, ia apontando que a Fraga do Arco era simplesmente dos monumentos naturais “mais belos” que já viu.

“É das coisas mais espectaculares que já vi e olhem que não vi pouca coisa”, adiantou.

À chegada ao local, a vista assombrosa do vale recortado por formações quartzíticas que se estende até ao pronunciado “muro de Avalona”, no concelho de Freixo de Espada à Cinta, impressiona.

O local terá sido, há milhões de anos atrás, a bacia de um mar intra-continental. A prova está na quantidade de xistos que ali se encontram. Em linguagem simplista pode dizer-se que o xisto resulta da sedimentação dos grãos de areia, sendo formado debaixo de água.

Para se ter noção do quão remoto é o passado a que o geólogo Rui Rodrigues se refere, foi distribuído a todos os participantes uma escala do tempo geológico, dividida em quatro grandes períodos: Pré-câmbrico, Paleozóico, Mesozóico e Cenozóico. Estes quatro grandes períodos são depois subdivididos em vários outros. O período cenozóico é aquele em que nos situamos actualmente.

Já o período em que se poderá situar a formação da Fraga do Arco corresponde ao  Ordovícico, dentro do Paleozóico, há cerca de 460 milhões de anos atrás. É a este período também que remontam os jazigos de ferro de Moncorvo.

Antes desse período, todo o planeta passou pelo Câmbrico e Pré-Câmbrico, quando apareceram a maioria dos principais grupos de seres vivos. Foi também nessa altura que se deu a explosão de vida nos mares, sendo que no local visitado já foram encontrados, por exemplo, trilobites, pequenos organismos que viviam no fundo dos mares.

Do período Câmbrico para o Orvídico o planeta Terra terá passado por um período glaciar que assinala a transição entre os dois períodos, sendo que é no Ordovídico que começam a aparecer as plantas e outras formas de vida.

Terá sido nesse período que os geólogos acreditam que se tenha formado a Fraga do Arco e toda uma formação geológica que se estende até Freixo de Espada à Cinta e que é visível através das rochas pronunciadas e folhadas que aparecem ao longo dos montes e vales.

Descendo monte abaixo até ao vale onde se situa a Ribeira de Santa Marinha, são visíveis ainda os vestígios da forte ocupação humana do local. Ao longo da Ribeira, até à aldeia de Maçores, existiam vários moinhos que, entretanto, desapareceram na sequência de uma enxurrada, em 1962.

Antes dessa catástrofe, o vale era cultivado “à força da enxada”, como recordaram alguns participantes naturais daquela zona. Um ano plantavam centeio, no outro deixavam em pousio. Ao fundo do vale ainda é possível encontrar também oliveiras e outras árvores de fruto, embora seja notório o abandono a que todo aquele local foi votado.

A encosta íngreme, pejada de estevas e urze, deixava já antever uma subida difícil e lembrava a importância do “calçado adequado” aconselhado pelos promotores da iniciativa.

No entanto, com mais ou menos dificuldades, todos quiseram ver de perto a Fraga do Arco, obra espantosa da natureza com cerca de dois metros de altura e  uma profundidade significante. Para além do Arco propriamente dito, a formação rochosa estende-se ainda formando uma espécie de gruta que, a meio, terá abatido, deixando isolada a Fraga do Arco da gruta propriamente dita.

No local ainda eram visíveis vestígios de um pequeno fogo, acendido, quiçá, por algum pastor das redondezas. Acredita-se também que o local tenha servido de abrigo, ao longo de milhares de anos, aos humanos e também a espécies como o lobo, que tem seu habitat naquela zona.

As fissuras que têm aparecido na rocha, levam o geólogo a acreditar que, num futuro muito longínquo, a Fraga do Arco venha a desaparecer. É, por isso, intenção do PARM vir a classificar o local como sítio de interesse geológico, dando a conhecer a todo um vasto público alguma da História do planeta do Terra.

A paisagem vista da Fraga do Arco mostra a continuação das fracturas rochosas, formadas ao longo de milhares de anos pela movimentação das placas tectónicas e dos continentes. Fenómenos que ainda hoje acontecem, muito embora o cidadão comum não se dê conta.

De regresso ao ponto onde o autocarro aguardava os participantes, muitos comentam como é bela e pejada de história a paisagem circundante.

“Às vezes fazem-se viagens a países tão longínquos e nós temos aqui tanta riqueza natural”, comentavam.

A própria passagem por Felgueiras merece uma paragem, mais que não seja para lembrar que aquela é conhecida como a aldeia dos ferreiros sendo que o próprio D. Duarte concedeu grandes privilégios aos trabalhadores da mina de Felgueiras.

Esses privilégios chegaram mesmo a causar conflitos com a Câmara de Moncorvo e com outras aldeias do concelho.

Nas cortes de D. Afonso V houve até uma queixa contra os ferreiros de Felgueiras porque não queriam ir vender o ferro ao mercado de Torre de Moncorvo, como era costume, tendo sido determinado que fossem obrigados a isso.

Mas Felgueiras também ficou conhecida por abastecer de pão praticamente todo o concelho de Moncorvo e, posteriormente, pelo fábrico de velas de cera.

A caminho de Torre de Moncorvo, é visível ainda o Cabeço da Mua, local de exploração mineiras. Aliás, as minas de ferro são a grande marca do concelho de Torre de Moncorvo, concelho que guarda um dos maiores jazigos de ferro da Europa. Mas sobre isso há já uma actividade programada, marcada para o dia 29 de Agosto, também no âmbito do Ciência Viva no Verão.

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