António Câmara, Prémio Pessoa 2006, falou ao DN sobre o futuro da comunicação, tema de conferência recente na Culturgest.
"Em 2050 teremos mais informação, mais formas de interagir uns com os outros, mas estaremos mais sós e, provavelmente, mais estúpidos." É assim que António Câmara, director executivo da YDreams, vê a comunicação nas próximas décadas. "As grandes mudanças provocadas pela tecnologia vão ser nas relações humanas", assume.
A possibilidade de "sentir tudo de todas as maneiras", como um dia escreveu Fernando Pessoa, chegará brevemente ao ciberespaço com o desenvolvimento de tecnologias multissensoriais, em que não se usará apenas a visão e a audição mas também o tacto , o olfacto e o paladar. "Nos próximos 20 anos vamos poder estar em casa sozinhos a interagir com amigos distantes como se estivéssemos na mesma sala. Ver um jogo de futebol na televisão e fazer que o nosso grito se ouça no estádio", diz o especialista.
"Acredito que as transformações mais marcantes ocorrerão na televisão, que há 40 anos não sofre evoluções tecnológicas. Agora estamos à beira da fusão entre TV e computador, que vai alterar todo o panorama televisivo", continua.
O fim dos jornais em papel, que tantas vezes tem sido anunciado, é algo em que António Câmara não acredita. "O formato em papel não vai acabar, o que vai mudar é o tipo de papel, que passará a ter propriedades interactivas, em que podermos ter gráficos animados, por exemplo. É uma via cara, o que tornará os jornais e as revistas em artigos de luxo, um nicho de mercado destinado aos ricos."
A comunicação com animais ou a reprodução de todo o tipo de conteúdos em materiais como cortiça, plástico, vidro são outras das possibilidades apontadas pelo director da YDreams.
Apesar de nos dirigirmos rapidamente para o digital, "não deixaremos de ter plataformas analógicas, porque a nossa essência humana é analógica", admite ain- da. "Os sistemas de comunicação pessoal, como os telemóveis ou iPhones, poderão fornecer informação vital e ambiental, recolhida em tempo real por sensores implantados em cada pessoa."
E como será então a nossa vida quotidiana em 2050?
Viveremos dentro de uma ou mais redes sociais, com uma quantidade brutal de informação inútil para gerir, diz ainda António Câmara, que admite "ter muitas reticências" em relação a estas novas formas de socialização como o Facebook.
"A nível profissional, os danos são enormes, cada pessoa perde imenso tempo de trabalho devido a essas redes. Estamos sempre a ser interrompidos, convocados para uma informação que não nos serve para nada e afastam as pessoas do contacto presencial."
Mas é nas novas formas de cidadania e vivência democrática que Câmara se mostra mais optimista: "As sociedades tenderão a ter formas de decidir mais distribuídas e haverá participação maior dos cidadãos. Essencialmente o poder deixará de ter um centro fixo e distribuir-se-á de forma mais aleatória por vários sectores, à imagem de uma estrela do mar."
O futuro não será, portanto, um lugar estranho mas também não será um lugar perfeito.
Fonte: DN