A autarquia de Miranda do Douro instituiu o dia 17 de Setembro como o Dia da Língua Mirandesa. Numa altura que passam mais de dez anos da oficialização do Mirandês como segunda língua oficial de Portugal, o município pretende promover o debate sobre o futuro, o presente e o passado.
Durante a tarde, o especialista Amadeu Ferreira vai abordar os mais de mil anos da Língua Mirandesa, numa palestra que deve ser muito participada.
Também os desenhos originais do livro “Mirandés – stória dua léngua i dum Pobo”, do Mestre José Ruy, vão estar em exposição, a partir de hoje e até ao dia 30 de Setembro, no pavilhão da Escola Secundária de Miranda do Douro.
São trinta pranchas em formato A3 que demonstram todo o trabalho executado pelo autor da obra em banda desenhada.
À noite, numa sessão solene, será apresentado o livro dos “Lusíadas”, de Luís Camões, traduzido para mirandês.
A Lhéngua Mirandesa
Ameaçada de extinção, a Língua Mirandesa conseguiu permanecer num território de 500 quilómetros quadrados, marcado pela despovoação, à conta da interioridade.
A especificidade de ser uma Língua minoritária que nunca esteve associada a movimentos independentistas, como acontece em outros países, levou a que, há onze anos atrás, todos os deputados com assento na Assembleia da República votassem favoravelmente a sua oficialização, deixando, assim, de ser designada como dialecto.
De tradição oral, foi longa e intensa a luta para conseguir chegar a uma Convenção Ortográfica que permitisse a tradução de livros para mirandês, a escrita em mirandês e o próprio ensino. Hoje, depois de tantos anos, são cada vez mais os interessados em aprender o falar de um povo orgulhoso da sua cultura. A par com os mirandeses que têm cada vez mais “proua” na “lhéngua”, chegam agora portugueses de todos os pontos do país interessados em aprender aquela que é a segunda língua oficial de Portugal.
Com um tronco linguístico comum – o Latim -, a Língua Mirandesa distingue-se do Português por provir do Asturo-leonês, enquanto que a língua mãe provém do Galaico. A influência do antigo reinado asturo-leonês fez com que, aquando da independência de Portugal, Miranda do Douro continuasse isolada, recebendo mais influências dos caminheiros de Santiago, dos pastores dos lados de Leão, dos contrabandistas ou dos ceifeiros.
A evolução histórica e política do país manteve o isolamento do concelho o que, por seu lado, ajudou a manter a Lhéngua nas Terras de Miranda.
No entanto, foram várias as tentativas de extinção da Língua. No século XVI, com a ascensão de Miranda do Douro a cidade foram muitos os letrados que se radicaram ali e que tentaram combater o mirandês. Anos mais tarde, já no século XIX, a língua foi dada a conhecer ao mundo por José Leite Vasconcelos, um português que, no ensino superior, teve como amigo e companheiro Branco Castro, natural de Duas Igrejas. Curioso com as histórias que o amigo contava, quis ir conhecer “in loco” a realidade. José Leite Vasconcelos foi o primeiro a escrever em mirandês, baseado apenas na fonética e na pronúncia de Duas Igrejas. Foi ele que deu a conhecer ao mundo a existência de uma segunda língua em Portugal, escrevendo a obra “Dialecto Mirandês”, uma investigação premiada a nível europeu. Mais tarde, já nos anos 50 (século XX), com a construção das barragens do Douro e a vinda de milhares de trabalhadores, o Mirandês adquiriu um sentido “pejorativo”.
Ainda assim, muitos mirandeses, orgulhosos da sua cultura materna, lutaram pela dignificação e reconhecimento da Língua que aprenderam de berço. Júlio Meirinhos, era então presidente da câmara quando, nos ano 80, lançou o desafio a Domingos Raposo de apresentar ao Ministério da Educação argumentos válidos para que a disciplina constasse dos currículos escolares do concelho, como disciplina opcional. “Na altura achei utópico”, confessou Domingos Raposo, pois nunca imaginou que o Ministério da Educação abrisse uma excepção. A surpresa foi a resposta positiva e, a partir de 1986/87, o Mirandês passou a ser uma disciplina opcional dos conteúdos programáticos leccionados no concelho. Anos mais tarde, num Seminário Linguística organizado em Miranda, concluiu-se que era necessário estabelecer uma Convenção Ortográfica, eliminando as regras mais complicadas e reduzindo a variação gráfica existente, própria de uma língua que sempre foi oral. Na Convenção estabeleceu-se ainda as variantes da Língua: o Mirandês raiano; central e sendinês.
No universo de alunos que frequentam o Agrupamento de Escolas de Miranda do Douro, 50 por cento frequenta a disciplina, mostrando orgulho e apego às raízes.