As máscaras da província de Zamora, do Nordeste Transmontano e do Douro foram alvo de um estudo antropológico, por parte de uma equipa de investigadores de Portugal e Espanha, que resultou no primeiro livro científico sobre a matéria.
Usadas desde a Antiguidade, as máscaras, nas suas diferentes formas e feitios, sobreviveram à passagem do tempo para continuarem, hoje em dia, a sair à rua com as mesmas funções que teriam em outros tempos.
Lançado em pleno dia de Carnaval, no Museu Ibérico da Máscara e do Traje, o livro envolveu, para além da pesquisa bibliográfica, a realização de entrevistas orais a pessoas que ainda participam nestas festas por tradição.
Uma das principais conclusões apontadas pelo investigador espanhol, Jesús Nuñez, é que a tradição está mais arreigada do lado português do que do outro lado da fronteira.
“O território deve ser visto como um só porque a tradição é a mesma, mas Espanha tem deixado a tradição contagiar-se de modernidade”.
Por isso, o investigador António Tiza deixa no livro o desafio às autoridades competentes para promoverem as máscaras a Bem de Interesse Turístico Regional e de Interesse Cultural.
“A classificação pretendida de festas de Interesse Turístico Regional e Bem de Interesse Cultural a atribuir às máscaras tradicionais e a todo o conjunto de rituais que elas envolvem, na região de Bragança e de Zamora, é uma questão de justiça e de reconhecimento público da riqueza destes valores do nosso património histórico-cultural”, escreveu o investigador.
Uma abordagem histórica à máscara, feita pelos investigadores, remete para um primeiro uso deste artefacto na Antiga Grécia, como adereço imprescindível dos actores na chamada comédia grega. Mais tarde, os romanos haviam de traduzir a palavra grega “próssopou” (máscara) para “persona”, numa evolução do significado ontológico de pessoa humana que ainda hoje se mantém nas línguas actuais.
A partir do Renascimento a máscara retomou as funções do classicismo greco-romano nas representações teatrais com a mesma finalidade de conferir ao actor uma pretensa personalidade. Os autores apontam ainda que nos povos da Antiguidade a máscara surge também como adereço indispensável ao exercício de rituais sagrados.
O início da cristianização marcou a interdição das festas dos mascarados por parte das autoridades religiosas mas, no período medieval, viria a consagrar-se a convivência pacífica entre os rituais pagãos e cristãos, enquadrando os primeiros em benefício dos segundos.
António Tiza referiu ainda que já na actualidade, as tradições voltariam a sofrer interdições por parte do regime do Estado Novo, em Portugal, e do regime de Franco, em Espanha. Mas, apesar das evoluções e retrocessos da Histórias, as festas dos mascarados conseguiram “sobreviver” a par das festas cristãs, complementando-se e, por vezes, realizando-se até no mesmo tempo e no mesmo espaço.
Apesar de “não haver uma máscara tipicamente portuguesa”, como referiu António Tiza, há peculiaridades e diferenças de localidade para localidade e, por vezes, até entre aldeias vizinhas. Por exemplo, enquanto que na localidade de Salsas as máscaras são, usualmente, de madeira ou cortiça, já na zona da Lombada são de latão.
“O uso da máscara do lado espanhol tem as mesmas finalidades que do lado português, não há uma máscara portuguesa, há máscaras que são elementos fundamentais nesta tradição”, explicou.
Diferenças há também ao nível da simbologia. Enquanto que na zona de Miranda do Douro as festas dos mascarados estão mais associadas aos ritos da fertilidade, já na zona de Bragança remetem para a purificação e expurgação dos males da comunidade por via da crítica social.
O livro, “Máscaras da Província de Zamora, do Nordeste Transmontano e do Douro”, está escrito em espanhol e português e foi encomendado pela câmara de Bragança, ao abrigo do programa Interreg. No entender do autarca brigantino, Jorge Nunes, a obra é “indispensável” e será uma “mais-valia” para todos os visitantes que passam pelo Museu Ibérico da Máscara e do Traje e pretendem “levar algo mais e aprofundar o conhecimento sobre a temática”.
A apresentação do livro coincidiu com a data em que o Museu Ibérico assinalou dois anos de abertura ao público. Até ao momento passaram por aquele espaço 35 mil visitantes.