Muito recentemente tive oportunidade de conhecer o escritor Rentes de Carvalho. Natural de Vila Nova de Gaia, com raízes transmontanas, Rentes de Carvalho é um best-seller na Holanda, país que escolheu para viver quando ainda era um jovem. O primeiro livro deste escritor chama-se mesmo “Com os Holandeses” e foi o primeiro que eu tive oportunidade de ler. É um dos livros que todos os portugueses deviam ler antes de embarcar em aventuras de ir trabalhar para países estrangeiros. Nem tudo corre bem na evoluída Holanda e nem tudo é fácil e belo. Rentes de Carvalho desfaz-nos esses sonhos contando a sua história.
Depois ofereceram-me o “Ernestina”e confesso que todo o meu conceito de boa literatura mudou.
“Ernestina” é como que a auto-biografia do escritor, em que as memórias da família, da adolescência, da aldeia de Estevais, em Mogadouro, transparecem com uma crueza admirável.
Com “Ernestina” o leitor é transportado para os anos 30/40/50 e para o que era então o dia-a-dia desta região. Rentes de Carvalho fala aqui das más acessibilidades, das caminhadas de horas que as pessoas tinham de fazer para chegar às vilas, do comboio que passava na extinta Linha do Sabor, das antigas tradições agrícolas… “Ernestina” ajudou-me inclusive a compreender o que queriam dizer as pessoas mais velhas quando falavam em “dureza”, quando falavam nos tempos de fome e frio. Com descrições incríveis, a meu ver, este livro deveria ser considerado quase como que um documento histórico pois é também sobre a história desta região que se debruça.
Na Holanda e na Bélgica teceram-lhe as seguintes críticas:
“Rentes de Carvalho atinge com “Ernestina” um nível que evoca os escritos autobiográficos de Elias Cannetti (prémio Nobel);
“Não há muitos escritores que, como Rentes de Carvalho, tão destemidamente escolham a verdade como padrão das suas memórias”;
“A elegância do estilo, a força da ironia, o poder de em poucas frases delinear uma personagem – com essa perícia Rentes de Carvalho empresta aos acontecimentos evocados um assustador e, em todo o caso, inesquecível carácter”.
A qualidade literária do autor, e o meu desejo, confesso, de querer, um dia, escrever assim, levaram-me a mais um livro: “A Amante Holandesa”. Este último é mesmo o meu livro favorito, aquele com que mais me identifiquei. A história passa-se em Bragança e algures numa aldeia de Mogadouro e retrata, de modo bastante fiel, a mentalidade, por vezes tão tacanha, com que as pessoas encaram outras formas de estar, de viver ou de ser. Só me custa compreender como é que um escritor de tamanha qualidade, reconhecido e aplaudido a nível internacional, seja desprezado desta forma no país em que nasceu. Ah! Lembrei-me, talvez esteja relacionado com a iliteracia que grassa neste país…