O Real Filatório de Chacim foi uma das infra-estruturas mais importantes da indústria de sericicultura europeia, tendo chegado a empregar centenas de pessoas, no século XIX. Hoje restam apenas as ruínas de um património privado, em vias de classificação, que a câmara tem preservado mediante protocolo.
Novas escavações no local poderão trazer mais luz sobre aquele que foi um dos maiores complexos industriais do Nordeste Transmontano
Recuemos até ao século XVIII. A Europa despontava para a Revolução Industrial, iniciada em Inglaterra. Em Portugal, numa povoação do Nordeste Transmontano, na então vila de Chacim, Macedo de Cavaleiros, era instalado um complexo industrial para produção de seda, sem par em todo o país e do qual, hoje, restam apenas ruínas
Estávamos no reinado de D. Maria I, e a sericicultura ganhava dimensão, principalmente na região transmontana, uma das mais propícias à plantação de amoreiras, o principal alimento do bicho-da-seda. O Conde de Linhares, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, representante da Corte portuguesa em Itália, observando o desenvolvimento tecnológico que a indústria da seda ali tinha alcançado, propõe ao Governo português a contratação de Giusepe Arnaud, um proprietário de uma casa comercial de produção e comércio de seda que, entretanto, tinha falido. Arnaud propunha trazer para Portugal um método inovador de fabrico de seda – o método piemontês, um “segredo” bem guardado desde o século XIV que fazia jus à fama da qualidade das sedas italianas em toda a Europa.
Os Arnaud instalam-se em Portugal, com a condição de lhes ser concedido um local apropriado ao estabelecimento de um filatório e três mil cruzados de um ordenado, para ensinarem e propagarem no país o método usado em Piemonte, um método que, para além de Portugal, foi apenas aplicado em Inglaterra e na Suécia.
Enquanto Giusepe Arnaud visita Trás-os-Montes para procurar um local apropriado à instalação do filatório, o filho estabelece-se em Lisboa para instalar em Alcântara um complexo que demonstrasse a tecnologia piemontesa.
Em todo o país, Chacim surge como o local apropriado para a instalação do filatório – o micro-clima favorável à plantação de amoreiras, a par da água corrente da Ribeira dos Moinhos, podem ter sido factores fundamentais para essa decisão.
Na localidade, então vila, é montando um grandioso complexo industrial que, ainda hoje, não tem comparação, sobretudo pelo número de pessoas que ali estiveram empregadas – um total de 385.
Hoje sobram apenas as ruínas, mas é possível imaginar a grandiosidade de tal obra e o impacto que terá tido naquela povoação e em todo o Nordeste Transmontano. Com cerca de dez metros de altura, três andares, naquela fábrica chegaram a estar instalados 57 teares, oito tornos e uma máquina piemontesa. O método piemontês consistiria na utilização de um moinho de seda redondo, com roda hidráulica, torcedor e dobadoura lateral – um método avançado que reduziria o tempo de produção da seda fiada, melhorando a qualidade do produto.
O que aconteceu, depois, para o Real Filatório se tornar naquilo que é hoje – um complexo de ruínas -, é algo a que os historiadores e arqueólogos ainda tentam dar resposta. Tudo indica que, a partir de 1801, em data não confirmada, o Real Filatório já se encontraria num estado “decadente”. Mas, um ano mais tarde, o complexo industrial volta a ser ampliado e apetrechado, sendo que atinge uma produção máxima de seda em 1807 – cem mil arráteis, o equivalente a 50 toneladas. Sabe-se, ainda, que aqui seriam produzidos dos melhores panos de seda e brocados.
Entretanto, o país é invadido por Napoleão e a Corte transfere-se para o Brasil. A fábrica de Chacim volta a decair e, em 1808, fica inactiva. Uns anos mais tarde, Giusepe Arnaud morre e a administração do Real Filatório de Chacim fica nas mãos de João Baptista Vasconcellos, um comerciante do Porto, mas os teares continuaram paralisados.
A resistência aos avanços tecnológicos pode também ter sido um dos factores que fez com que o Real Filatório não tivesse vingado, a par com as perturbações políticas e sociais que se viviam.
Em 1866 a fábrica e suas pertenças são vendidas por 2525.00 reis, mas não se sabe muito bem o que restaria pois, em 1869, Fradesco da Silveira, no livro “A Sericicultura em Portugal”, referia: “restam apenas quatro paredes em bom estado, mas sem telhado! Estes restos (...) foram há pouco vendidos pelo Governo”.
O local terá sido deixado ao abandono e, em 1926, o que pouco que restava foi consumido por um incêndio de grandes proporções que acabou com todo o miolo do edifício.
Só anos mais tarde, quando uma iniciativa europeia quis recuperar a antiquíssima Rota da Seda, é que Chacim voltou a ser alvo de interesse. Desde então, com o apoio da câmara municipal, foram realizadas no local escavações arqueológicas que permitiram comprovar a História. O município procedeu, então, à consolidação das paredes e do restante edifício, tendo assegurado, através de um protocolo com o proprietário do Real Filatório, o embaixador António Meneses Cordeiro, a cedência do espaço para desenvolvimento de acções de investigação, conservação e restauro.
Ao lado nasceu o Centro Interpretativo que nos permite conhecer este marco da história da indústria da seda e da própria industrialização da região.
Numa visita promovida pelo Centro de Ciência Viva e acompanhada pela responsável do Turismo da autarquia, Cristina Correia, ficamos a conhecer como seria o “moinho redondo”, do qual existe uma maquete inspirada nas ruínas do Real Filatório. A história está contada nos painéis que ilustram as paredes do edifício, construído mesmo em frente ao que restou do complexo industrial, mas os visitantes podem ficar a saber mais através do visionamento do dvd produzido pela autarquia.
Partindo do Centro para as ruínas, depois da explicação histórica, a admiração perante tal património é maior. As escavações arqueológicas, realizadas em 1997, permitiram retirar dos escombros peças de valor, como fusos, “fondinas” ou “barbinieras”, tubos de vidro que impediam que o fio da seda se partisse. No entanto, acredita-se que exista mais espólio por descobrir e é possível que, no futuro, se procedam a mais escavações no local.
Na agora aldeia, continuam a despontar, aqui e ali, algumas árvores de amoreira e só os vestígios daquela que foi uma das maiores fábricas da região fazem os visitantes acreditar que ali, de facto, trabalharam centenas de pessoas. O silêncio é agora rei e o Real Filatório uma miragem de uma Revolução Industrial que, por vezes, parece ainda não ter chegado ao Nordeste Transmontano.