"Pare, Escute e Olhe" é o documentário do jornalista da SIC Jorge Pelicano, que foca gritante situação de uma população escassa e envelhecida, voltada ao isolamento no interior transmontano com a desactivação da linha de caminho de ferro do Tua, entre Mirandela e Bragança, em 1992. O filme apresenta as contradições de decisões políticas que conduziram à actual situação. O investimento em estradas foi seguido pelo desinvestimento nos caminhos de ferro. A já aprovada barragem no Vale do Tua apresenta-se como a machadada final, condenando à submersão os terrenos agrícolas. O filme mostra-nos diversos dirigentes políticos a visitarem a região, com direito a pompa e a destaque mediático. Do Presidente Mário Soares ao primeiro-ministro Cavaco Silva, ou ao actual José Sócrates, todos passaram por lá decretando as suas diferentes "sentenças". Vê-se também o assunto a ser discutido na Assembleia da República, em contraponto com as imagens que nos transportam para a realidade da população que ainda permanece no local. O ciclo vicioso da desertificação O filme coloca-se do lado dos argumentos dos ambientalistas, mas, para além da situação específica daquela região, acaba por chamar a atenção para um ciclo vicioso que tem vindo a condenar grande parte do país à desertificação. Por um lado, a baixa densidade populacional justifica a não manutenção das infra-estruturas, por outro, a falta das mesmas faz com que o interior de Portugal seja cada vez menos atractivo e tenha cada vez menos habitantes. "Pare, Escute e Olhe" recebeu os prémios de Melhor Documentário Nacional e Melhor Montagem do Doclisboa e o Grande Prémio do Ambiente, Grande Prémio da Lusofonia e Prémio Especial da Juventude do Cine Eco, de Seia. Jorge Pelicano, de 33 anos, é operador de câmara da SIC. Anteriormente, tinha levado a cabo o documentário "Ainda Há Pastores", também contemplado com diversas distinções. Estreia hoje nos cinemas nacionais.
Documentário de serviço nacional/Opinião de Eurico de Barros
António Mexia, presidente da EDP, aparece a certa altura ao lado de José Sócrates em Pare, Escute, Olhe, de Jorge Pelicano, a estranhar que no Vale do Tua, onde o Governo se prepara para construir uma barragem, esteja "tudo despovoado". Se António Mexia conseguisse libertar-se das suas importantes e muito bem remuneradas funções e tirasse meia hora para ver este documentário, descobriria o porquê desse despovoamento - tem tudo a ver com a irresponsabilidade, a indiferença, a incompetência e o desconhecimento que políticos e decisores têm do "país profundo". O autor de Ainda Há Pastores? assina, com Pare, Escute, Olhe (o título, além de remeter aos clássicos sinais das passagens de caminho de ferro, é uma sugestão ao espectador e também aos que mandam nisto), um verdadeiro documentário de serviço nacional, sobre a morte anunciada da Linha do Tua, que deverá ficar submersa por uma barragem. Como diz alguém a certa altura, o desaparecimento do comboio e o estrangulamento do rio significam o fim "de uma identidade" local que ajuda a fazer a identidade nacional maior, de um património único, insubstituível. E a barragem em muito pouco vai beneficiar quer a população, envelhecida, desiludida e passiva, para quem a "sua" automotora é muito mais necessária e útil, quer o desenvolvimento local .
Cheio de cinema, humor, melancolia, emoção, ritmo, música (composta à medida das imagens), indignação legítima, informação útil, rádios locais com discos pedidos que unem quem ficou na terra aos que trabalham no estrangeiro e gente pitoresca e genuína que se manifesta sem papas na língua ("A barragem, que atirem com ela ao rio, que se f...", diz um velhote a certa altura), Pare, Escute, Olhe é um filme político mas apartidário, de intervenção mas não propagandístico, cuja causa é o bem maior de todos nós. Senhor Mexia, tire lá meia hora e vá vê-lo.
Fonte: Expresso/Diário de Notícias