Dia-a-dia de um distrito rural, doze concelhos e meia dúzia de pequenas cidades encravadas nas montanhas mais a norte de Portugal
21 de Março de 2009

 Desde há 24 anos que José Mendes trabalha a dureza da pedra que arranca à mão nas encostas de Samil. Sempre que necessário José mete-se a caminho da aldeia, a pé, numa viagem de dez quilómetros que demora, pelo menos, uma hora.

Vai a pé, apesar de haver transportes públicos, porque não está para esperar pelo autocarro e justifica: “enquanto passa e não passa vou andado”.

A pedra é escolhida minuciosamente e transportada até Bragança numa carreta. Depois, numa pequena banca de trabalho improvisada, na Travessa da Amargura, na cidadela do castelo de Bragança, onde vive há 25 anos, José vai dando “vida” às pedras colhidas. Amarguras conhece-as bem de andar nesta vida das artes manuais se bem que vai dizendo que nem são bem amarguras pois “há dias de tudo”.

Natural de Espanha, depois de anos a viver no Alentejo, José Mendes estabeleceu-se no Nordeste Transmontano primeiramente como carpinteiro, profissão para a qual diz ter nascido mas que, por opção, recusou.

“Nasci para carpinteiro, mas escolhi a pedra”.

A escolha tem-lhe valido horas e horas de trabalho minucioso que se baseiam sobretudo em lascar pedra, limar pedra e cortar pedra até esta adquirir uma forma agradável e reconhecida para as pessoas.

“Se o material fosse madeira seria mais fácil”, diz José Mendes.

No entanto, a madeira é um material mais difícil de encontrar em perfeito estado para ser trabalhado, conforme explicou: “andava sempre à procura de material porque muitas vezes vinha madeira verde ou molhada e não servia para nada”.

Mas a pedra também tem as suas dificuldades até porque não existem duas pedras iguais, apesar de até poderem ser do mesmo tipo. Mais fácil de encontrar, cada uma delas tem de ser observada e escolhida até porque José Mendes faz todas as peças “a olho”.

Assim, o artesão apenas carrega pedras e seixos que, depois de analisados, possam transformar-se em cinzeiros, bustos, casas típicas, monumentos, personagens histórias e religiosas.

No espaço de umas horas o artesão consegue dar forma a um objecto, dependendo da criatividade e da sorte, ou da encomenda. Com paciência, utilizando as peças que conseguiu aproveitar da profissão de carpinteiro, vai “descascando”, picando e alisando as pedras, vendo nelas uma figura em criação.

“Vou olhando para a pedra, dando voltas para ver para o que serve e o que dá para fazer”, explicou.

Para quem passa e olha é mais difícil ver nas pedras algo mais que simplesmente pedras, seixos, calhaus. Por isso, não raramente se juntam às dezenas de pessoas em volta do artesão observando e contemplando aquele trabalho, aguardando pelo nascimento de algo mais.

As peças mais difíceis de fazer, no entender de José Mendes, são aquelas que contemplam mais pormenores como é o caso das figuras históricas, das figuras religiosas, como os santos, ou de monumentos, como o Castelo de Bragança. Aliás o castelo e a Domus Municipalis foram duas das peças mais difíceis e trabalhosas.  Mas, até aos dias de hoje, a que o artesão destaca como “grande obra”  a escultura de D. Afonso Henriques, uma obra com dois metros de altura que foi também a mais cara que José Mendes já vendeu.

Já a peça mais pedida pelos que apreciam a sua arte é a figura de Santo António e a de São José e é essa que está sempre em “stock”.

“Geralmente são as pessoas mais velhas que compram este tipo de objectos e o Santo António é quase sempre a peça que mais me pedem para fazer”, apontou.

 

Imperfeições artísticas

Numa mesa de exposição improvisada em plena rua, até para mostrar o seu trabalho a quem passa, José foi apresentado os seus presépios, guarda-jóias, castelos, cinzeiros, pequenas peças decorativas e até um devoto Santo António.

A perfeição é uma das características que não pode ser imputada às peças de José Mendes e ainda bem, no seu entender, pois a imperfeição, neste caso, é garantia de um trabalho 100 por cento artesanal.

“Hoje em dia as pessoas dão mais valor às peças que são feitas à mão porque se forem muito perfeitas dizem que foi feito à máquina e eu não uso máquinas. O que faço é 100 por cento artesanato”.

É também por isso que, hoje em dia, é raro envernizar ou pintar alguma das suas peças. Depois de acabadas, sãs, José passa apenas uma escova que permita retirar o pó e pequenas areias, outras vezes nem isso.

“Algumas peças são vendidas ao acabar de fazer e nem lhes passo a escova porque as pessoas as querem levar como estão. Muitas vezes ficam aqui a aguardar que eu acabe o trabalho”.

Para José Santos é que é mais complicado, em termos de saúde. São horas e horas amarrado, na mesma posição e, nos dias frios, “é mais difícil”. Ainda assim, habituado às “amarguras” da vida e a viver numa Travessa com o mesmo nome, José Santos consegue encarar o trabalho com o optimismo de quem faz aquilo que gosta, de quem exerce a profissão que escolheu ainda que possa até nem ter sido talhado para isso.

Orgulhoso por exibir a carteira de artesão, José Mendes aponta as vantagens da profissionalização de uma arte que se aprendeu com a experiência e não nos bancos da escola: “tenho ido a muitas feiras de artesanato onde só pode expor quem tem a carteira”.

Do Algarve à capital, passando pelas grandes cidades do Norte, como Porto e Braga, o artesão conta que é nas feiras temáticas, como a Feira Romana, a Feira Medieval e outras assim, que mais sucesso consegue fazer com as suas peças.

Os objectos que leva a expor podem ir dos 10 euros aos 200 euros ou mais, mas no entender de José não têm preço pois cada peça que vende “é um bocado de coração que vai embora”.

 

 

 

publicado por Lacra às 09:00
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