Dia-a-dia de um distrito rural, doze concelhos e meia dúzia de pequenas cidades encravadas nas montanhas mais a norte de Portugal
10 de Agosto de 2009

Luzia Martins tinha apenas 15 anos quando aprendeu a dar uso ao linho, à semelhança de muitas outras jovens de então que, desde cedo, eram introduzidas nessas lides. Foi ela quem ensinou Olga Mariz, quando esta tinha 20 anos. Ensinou-a a semear e a fazer todo o ciclo, até à tecelagem. Hoje em dia, na aldeia de Baçal, Olga será das únicas pessoas que possui em casa um verdadeiro museu vivo do ciclo do linho a que ainda dá uso nos tempos livres. A vontade de preservar uma tradição, que era tão forte no Nordeste Transmontano, levou Olga a recriar o ciclo do linho uma vez mais, mas desta vez com os habitantes e idosos daquela localidade. Ao longo de uma tarde, puxando da memória antigas canções, os participantes foram completando cada uma das fases do linho e lembrando os duros trabalhos de outrora. Começando pelo início, Luzia Martins acompanha-nos até à horta para mostrar a sementeira de linho e explicar quando é que a planta se encontra pronta a colher. Por norma, as sementeiras são feitas em Março ou Abril, porque se o tempo estiver muito chuvoso a planta cai e apodrece. “Este foi plantado há pouco tempo, mas como esteve sol cresceu bem”, apontou Olga Mariz. Quando começa a ficar pronto para a colheita, a planta ganha uma cor azulada comparada ao “azul do céu” que “quem vê as toalhas brancas nem sequer imagina”. Com as mãos envelhecidas mas ainda ágeis, Luzia vai arrancando pequenos molhos, “maçadeiros”, que são cruzados e colocados uns em cima dos outros. “Fica assim metade de um dia, nas hortas, em cima de mantas ou lonas. Depois à tarde tem de se esfregar e deixar cair aquela flor porque se o linho for ao rio com a flor, depois fica preto”, explicam. A fase seguinte consiste em apertar os molhos para levar ao rio. Primeiro levam-se apenas dois, para “tirar a prova”. “Levam-se apenas dois molhos. Colocam-se na água e deixam-se lá ficar. Ao fim de três dias tiramos um dos molhos e deixamos lá ficar o outro. Depois de seco ao sol, é maçado e se estiver bom, colocamos os outros durante três dias”. Mas como saber se o linho está ou não pronto? “Se tiver água a mais, quando for espadelado, cai todo ao chão e fica com pouco fio”, explicam os mais velhos. “As coisas não se podem fazer à toa”, vai dizendo Olga Mariz. “É que se o linho ficar tempo demais na água, ao ser maçado e espadelado cai ao chão e não dá rendimento”. Tirada a prova, os maços com a planta do linho são então colocados no rio porque, de outra maneira, “não se faz vida dele”. Já sabendo o número de dias que este deve estar na água, as mulheres vão depois recolher os molhos que são colocados em maços bem abertos de modo a permitir a entrada do sol. Quando está seco, segue para ser “maçado”, ou seja, literalmente batido em cima um seixo branco com uma moca de madeira. Normalmente, este era um trabalho que cabia aos homens e também tinha os seus truques: “costuma-se usar uma moca de madeira de sardão, que é mais rija”. Depois de “maçado”, é esfregado e depois espadelado. Daqui segue para um instrumento de madeira com dentes em ferro que se assemelham a uma escova, para ser assedado. É nesta fase que se separa o linho da estopa. “O que cai ao chão é estopa, o que fica no sedeiro é linho. A estopa é semelhante à lã”, aponta Olga Mariz. As mãos hábeis das antigas tecedeiras pegam então na roca e no fuso e começam a fiar. Depois de fiado é colocado num curioso instrumento a que se dá o nome de “sarilho” que transforma os maços de linho em meadas. Estas são depois colocadas a num lato com água a ferver a que se junta sabão em barra e cinza, “cinza de videira, de preferência”. “Se for a cinza de uma madeira qualquer o linho fica escuro e depois não há quem o consiga aclarar”, vão apontando os mais velhos. Segue-se então a “dobadoura” e a “urdidura”. Na dobadoura as meadas são transformadas em novelos. Depois, com o fio do linho já pronto, faz-se a urdidura da tela que consiste em colocar os fios paralelamente uns aos outros, de modo a formar uma teia. Nesta fase está então o linho pronto a ser tecido e a transformar-se nas mais variadas peças de roupa ou artesanato. “O linho, para mim, é mais caro que o ouro e é preciso gostar porque para chegar ao tear leva muitas voltas”, assume Olga Mariz. A opinião é partilhada por todos aqueles que, durante anos a fios, mantiveram a tradição e repetiram, ano após ano, os mesmos gestos. “Não é difícil, mas é das coisas que dá mais trabalho”, vão dizendo. “É que para chegar a estar tecido no tear leva muita volta”. No entanto, antigamente, estes eram trabalhos que faziam parte do dia-a-dia. Era do linho que se faziam os panos para a cozinha, as toalhas da mesa, os lençóis da cama, as colchas... “Até as combinações de mulher e as camisas dos homens eram feitas de linho. Da mesma forma que os casacos e as calças eram de pardo. Fazia no serão da noite”, recordou Luzia. Também à estopa era dado um fim: servia para fazer lençóis mais grossos ou mantas. Já as rendas de linho não eram assim tão usuais, segundo se lembra Luzia Martins. “O linho para chegar a renda tem de ser muito bom. Tem de ser muito fininho e bem fiado e, para isso, tem de ser muito bom, porque há linho bom e linho mau. Até pode ficar como seda, mas isso dá muito trabalho”. Lembranças de outros tempos que Olga Mariz quis avivar. Como noutros tempos, também no pátio de sua casa, rodou a cabaça com vinho e cantaram-se antigas “modas”. Mas a realidade é que já poucos serão os que, como Olga, ainda se dão ao trabalho de fazer todo o ciclo do linho e dar uso ao tear. Lamentando, Olga vai dizendo que até podia ensinar os mais novos, “mas dá muito trabalho e não há interesse”.
23 de Maio de 2009

Determinar com exactidão a origem do bordado de “filé”, mais conhecido como "rede de nó", é difícil até para os historiadores. Na região também não se conhece tradição da arte. No entanto, Etelvina Mariz foi aprendê-la em Baçal e hoje, que se saiba, é das únicas pessoas que continua a bordar e com vontade de passar o testemunho para futuras gerações

 

Etelvina Mariz deve ser das únicas pessoas do concelho de Bragança que sabe fazer bordados de “filé”, mais conhecidos como “rede de nó”. Aliás, Etelvina Mariz deve ser das poucas pessoas que sabe o que é a “rede de nó”, um tipo de bordado muito característico, semelhante na forma à rede de pescador, e pouco usual na região transmontana. Pesquisando sobre o assunto, encontramos autores que reivindicam para o Douro Litoral, freguesia de Pombeiro, a tradição e uso do bordado de “filé”, uma rede constituída por nós, semelhante à rede de pescador, que pode ser depois bordada de acordo com o gosto e imaginação. No entanto, é difícil atribuir com exactidão uma data ou uma origem do bordado de “filé”. Segundo Paulo Silva, na tese de mestrado em Design e Marketing da Universidade do Minho, sobre Bordados Tradicionais, já os egípcios bordavam “filé” simples com pérolas de vidro e na Pérsia o “filé” era bordado a ouro e prata sobre tecidos de seda. O mesmo autor indica ainda que, em Itália, foram encontrados bordados em “rede de nó” no espólio de D. Catarina de Médicis, que teria “grande apreço” por este tipo de bordados, assim como as suas filhas e criadas que passavam grande parte dos dias dedicadas aos quadrados de filé.

Natural de Varge, Etelvina confessa que não se recorda de alguma vez ter visto este tipo de trabalhos. “Nunca tinha visto trabalhos destes nem nunca tinha visto ninguém fazer. Não é da minha lembrança”. Foi só depois de casar que viu a sua falecida sogra, natural de Baçal, fazer bordados deste género. Na aldeia, no entanto, não havia outra pessoa que os fizesse. “Ela faleceu com 93 anos e era a única pessoa que sabia fazer estes bordados”, garantiu Etelvina.

Depois de anos e anos a apreciar o seu trabalho e constatando que poucos conheciam a arte, Etelvina quis então aprender, já tinha 40 anos.

“Na altura a minha sogra ficou muito admirada, porque já tinha tentado ensinar algumas pessoas e elas não aprenderam”.

Foi por isso com mais interesse que quis aprender e dar continuidade à tradição da arte e, desde então, aproveita todos os tempos livres para ir fazendo estes bordados.

Sem atelier ou pretensões de tecedeira, Etelvina improvisa rapidamente um local para nos ensinar a fazer “rede de nó”: prende um alfinete segurança ao sofá e passa o fio de algodão pelo meio; depois, segurando num pequeno arame com uma mão, vai tecendo, com a agulha, pontos que são nós. A prová-lo, Etelvina mostra que, se se enganar, não há volta atrás: “tem que se cortar e fazer de novo, porque isto são nós, não desfazem”. A rede pode ser feita com vários quadrados ou um só quadrado, pode ainda ser rectangular, circular ou aos bicos. Os motivos bordados em cima ficam com a criatividade de cada um. A facilidade com que borda um quadrado em “rede de nó” leva a crer que esta é uma arte acessível a quem queira aprender, embora não seja bem assim.

A prova é que Etelvina também já tentou ensinar outras pessoas e não conseguiu.

“Ainda tentei ensinar às minhas filhas, mas só a mais nova é que aprendeu, embora não se dedique muito a isto. Tem o trabalho dela”, contou.

Disposta a ensinar qualquer pessoa que tenha interesse, Etelvina avisa desde logo que é só preciso “arranjar agulhas” e essa pode ser uma grande dificuldade. A primeira agulha que teve foi feita pelo seu marido com um arame, porque em Bragança não conseguiu encontrar nada apropriado. Mais tarde, um familiar seu, sabendo do gosto de Etelvina pela “rede de nó”, procurou em casas de antiguidades, em Lisboa, e comprou-lhe a dita agulha própria para bordados de “filé”.

Desde que se dedica, nos tempos livres, a esta arte que Etelvina tem feito várias peças para decorar a sua casa e para oferecer aos familiares. Toalhas, cortinas, quadros, centros de mesa, é só dar asas à imaginação e alinhar os pontos.

“Posso fazer toalhas circulares, toalhas quadradas ou rectangulares, toalhas aos quadrados e depois bordo por cima com os motivos que eu quiser e com as cores que quiser”, apontou, mostrando algumas das peças já feitas.

 

A maior de todas, uma toalha de mesa com dois metros e meio de comprimento por metro e meio de largura, levou “tempos infinitos a fazer” e, se fosse para vender “não tinha preço”.

A dedicação e carinho que coloca em cada um dos bordados que executa explicam a dificuldade em dar um valor monetário a cada peça.

“As peças que faço são para mim e para oferecer, mas posso vender, embora isto sejam coisas que não têm preço”.

A quem oferece estes trabalhos, Etelvina dá mais do que uma simples “prenda”. São “recordações” que hão-de ficar para as filhas e para os netos, que tiveram o privilégio de ter o nome e a data de nascimento bordados em toalhas de “rede de nó”. “

Agora até podem nem dar valor, mas, mais tarde, vão recordar-se que foi a avó que fez e isso não tem preço”.

Mostrando com paciência, a execução de um quadrado em rede de nó, Etelvina vai apontando que, embora seja “muito fácil”, tem os seus segredos. Por exemplo, para conseguir fazer um quadrado em rede de nó “começa-se por um ponto e acaba-se com um ponto”. Já se quiser uma forma rectangular, quando se atinge a largura pretendida, “é preciso começar a alargar de um lado e a encolher do outro”. Ainda assim, a bordadeira considera que o mais difícil é “apanhar o jeito com a agulha” e conseguir fazer os pequenos quadrados da rede todos do mesmo tamanho. Mas, mesmo assim, “é muito fácil” e, no seu entender, basta querer aprender. A passagem do “testemunho” é mesmo o seu grande sonho “adoro fazer isto e gostava muito de ensinar às pessoas, porque são peças raras e é pena que esta arte, com o tempo, se venha a perder”.

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