Dia-a-dia de um distrito rural, doze concelhos e meia dúzia de pequenas cidades encravadas nas montanhas mais a norte de Portugal
18 de Abril de 2009

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Já lá vai o tempo em que os brigantinos, chegando ao centro da cidade de Bragança, começavam a ouvir o bulício proveniente do antigo mercado municipal ao qual todos chamavam “a praça”. Ir à praça significava ir às compras. Às compras de legumes frescos, peixe, ovos, carne, de todos os produtos existentes na região. 

Assim que começavam a despontar os primeiros melões, lá vinham os feirantes da Vilariça, trazendo à capital de distrito o que de melhor a terra dava. Também as melhores laranjas, o fumeiro, o azeite, a amêndoa, ou as castanhas, eram ali levadas para vender.

Há cerca de meio século atrás, conta-se mesmo que, vinham da aldeia de Nunes, Vinhais, à cidade de Bragança, vender cereja. O caminho era feito de burro e, os 25 quilómetros que distanciam a aldeia de Vinhais da praça de Bragança, demoravam mais de um dia a percorrer. Chegados à praça, acontecia, por vezes, deixarem os burros “por ali” e, não era raro, estes fugirem pela cidade.

Hoje, dessa antiga praça, ladeada à toda a volta com grades verdes, enquadrada entre o antigo cine-teatro e a recente biblioteca, restam apenas as memórias. As memórias de todos quantos ali foram em romaria, de todos os que viviam lado a lado com o bulício da praça e dos que ali faziam negócio.

Em lugar do antigo mercado municipal nasceu um espaço “de lazer” que em nada deixa lembrar o que ali existiu. O actual mercado, esse, foi deslocado do centro da cidade para um local mais amplo, junto ao recinto onde hoje se realiza a feira mensal.

O edifício quadrado, fechado, em tons acastanhados, não deixa antever que o mercado se situa realmente ali. Dizem os comerciantes que ali estão que acontece até “virem aqui muitos turistas perguntar onde é o mercado”.

No novo mercado não há lugar para os típicos e habituais pregões que caracterizam estes locais populares. No novo mercado falta o cheiro das frutas e dos legumes, a simpatia para quem passa, falta a luz do dia também.

“Isto aqui não é mercado nem é nada, é um centro comercial”, remata uma comerciante. Ninguém dá nomes, ninguém quer assumir a tristeza e as saudades do passado. “Todas as pessoas falam, mas ninguém fez nada para manter a praça e o que lá vai, lá vai”, justificam.

Da antiga praça para o Mercado Municipal apenas vieram “aí um terço” dos comerciantes. A clientela, essa, também se foi perdendo, “aqui só vem quem tenha consideração por uma pessoa”. O que levava as pessoas à praça eram “os preços, a alegria, a frescura que se respirava por ali”. Além disso, “todos se conheciam e se os produtos não eram bons, iam lá no dia seguinte reclamar”.

Atendiam também muitos turistas. “A praça era uma referência”, comentam, afirmando ter atendido “muitos ingleses, holandeses, alemães” que por ali passavam a caminho do castelo.

Davam-se conselhos, ouviam-se as pessoas, era como “um regressar ao mundo rural”. Já no novo edifício a sensação é a de estarem fechados: “estamos para aqui metidos, um dia inteiro, sem contacto uns com os outros”. Para quem ali vai, a constatação disto mesmo é real: em nada o mercado se assemelha a um mercado no sentido do imaginário popular do que é este conceito.

Das lembranças de um tempo em que “até o peixe se embrulhava em jornal”, à actualidade, vai uma distância enorme. De um tempo em que “havia muita concorrência, mas também muita alegria”.

“Todos os fins-de-semana recordo-me de emprestar dez contos, que na altura era muito dinheiro, a uma concorrente do mesmo ramo para que ela pudesse manter o negócio. No fim da semana pagava-me, mas depois voltava a pedir, de maneira que me devia sempre dinheiro”, recorda sorrindo sem mágoa. Também a proximidade que tinham com os clientes faziam com que muitos dos comerciantes vendessem fiado, demonstrando atenção pelas dificuldades que alguns passariam. “Aqui, por vezes, também fazemos isso, mas apenas com os clientes que se mantiveram, os poucos, porque muitos deles viviam no centro da cidade e não vêm aqui”.

A justificação para a falta de clientes vai ainda num outro sentido, “se o mercado agora está longe da cidade, num sítio fechado, as pessoas agarram e vão logo directos às grande superfícies, que, por vezes, têm preços bem mais baixos, embora os produtos também não sejam regionais”.

O convívio entre os comerciantes também era outro: “Quando chegava a hora de almoço, juntávamo-nos todos, acendíamos umas brasas num latão e assávamos umas sardinhas. Agora, tudo isso acabou e nem que quiséssemos relembrar, era diferente…”

São todas estas memórias que trazem alguma tristeza e saudade aos comerciantes que agora estão instalados no novo edifício. Há dias, dizem, “que nem um euro se faz, não se faz negócio”. Além disso, queixam-se, as rendas são mais do dobro, “aumentaram mais de mil por cento e a situação torna-se insustentável”.

A esperança de muitos é que um dia, o mercado regresse às origens, ao lugar de onde saiu. “Já que aquela praça está lá e não é usada para nada, podiam reconstruir o antigo mercado, deixavam na mesma os estacionamentos”, apontam, esperançosos de que um dia possam voltar a um mercado tradicional, como aquele de onde saíram, onde os pregões não estejam fora de moda.
 

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