Referência do comércio tradicional encerra
Depois de 45 anos de portas abertas, todos os dias, “incluindo dias santos”, o comércio “Poças”, no centro da cidade, prepara-se para, nesta sexta-feira, dia 28 de Março, encerrar definitivamente as portas. Ao longo da semana, o proprietário, Augusto Poças, foi esvaziando as prateleiras com o desalento de quem já viu passar por ali uma verdadeira “legião de fregueses”. A “má - notícia” apanhou de surpresa muitos clientes que se mantiveram “fiéis” até à última e nestes dias foram mais ainda os que aproveitaram para comprar os folares caseiros e outros produtos que a casa vendia por tradição.
Na parede jaz ainda uma das restantes recordações dos “velhos tempos”: uma foto da cidade de Bragança coberta de neve de há 45 anos atrás, “a maior nevada de sempre que caiu na cidade”, garante Augusto Poças. Até a foto lhe quiseram comprar, “um espanhol” que por ali passou nestes dias, mas, essa, Augusto Poças não quis vender.
A crise que o comércio tradicional atravessa, a par de “quezílias” familiares, desencadearam o encerramento do “Poças” antes do esperado.
“Por mim só fechava quando não pudesse fazer mesmo nada ou quando morresse. Nunca pensei fechar”, desabafou.
No entanto, a situação precipitou-se desde há cinco anos a esta parte com o encerramento de serviços no centro e a deslocalização para outros pontos da cidade. Dali saiu a Escola Profissional, o antigo ciclo, as Finanças, o mercado municipal, a câmara, tornando o centro no que Augusto Poças chama “um arrabalde”. Depois surgiram as grandes superfícies e os hipermercados com horários competitivos e preços mais baixos, “embora os produtos que se vendem não tenham comparação”. O resultado “é o que se vê”, com “casas a fechar todos os dias” por falta de rentabilidade.
Em 45 anos de trabalho, o “Poças” pode orgulhar-se de ser um dos comércios mais conhecidos da cidade. Chegou mesmo a empregar seis pessoas e “havia trabalho para todos”, ao contrário dos tempos que correm em que conta apenas com um empregado e “mal dá para um”.
Para além dos produtos correntes, necessários no dia-a-dia, o “Poças” vendia muitos produtos tradicionais, como folares, bolos-rei, fumeiro, entre outros, alguns de fabrico próprio, outros comprados em aldeias da região. Era também uma casa que fazia as “delícias” dos mais pequenos, com os bolos, rebuçados e gomas, doces raros de encontrar numa pequena cidade do interior e que tornavam realidade os “sonhos” da criançada.
“As crianças, quando passavam, puxavam o casaco das mães e dos pais e ficavam a olhar maravilhados para a montra. Vendíamos doces que só aqui se encontravam”, contou com saudade.
Por dia, entre as crianças do antigo ciclo e os estudantes da Profissional, a casa chegava a vender mais de mil bolos e sandes. Um número bem distante da meia dúzia que hoje vende, embora tenha ainda a fama de não haver “mil-folhas” tão bons como os seus ou pastéis de nata tão bem feitos.
Essa “fama” que granjeou ultrapassou “fronteiras” e correu o país. Com clientes em Espanha, França e Alemanha, contou ainda com fregueses da alta roda estatal. Membros do governo de Salazar eram clientes da casa, assim como o antigo cônsul de Macau, hoje instalado em Mafra e que “ainda esta semana encomendou folares”.
Também o ex-ministro Armando Vara não vinha a Bragança sem visitar o “Poças”, entre muitos outros “amigos” e “conhecidos” feitos ao longo de décadas de trabalho.
“Parece que não havia pessoa que viesse a Bragança e não passasse aqui. Era como visitar o castelo”, lembrou.
Iniciado no negócio pelo pai, um negociante de carteira que fornecia a capital e o Porto com produtos da região, “comprava bidões de 250 litros que depois eram despachados por comboio para o Porto e para Lisboa”, Augusto começou a trabalhar como empregado do irmão.
“Se me portasse bem, ele dava-me sociedade, caso contrário era empregado como os outros”.
Como se portou bem, o irmão deu-lhe sociedade, mas viria a morrer demasiado cedo “por trabalhar demais”, segundo garante Augusto.
Desses tempos longínquos guarda saudades, embora admita que houve coisas que melhoraram. A liberdade, por exemplo, é apontada como o melhor que a evolução trouxe. “Hoje podemos falar e dizer aquilo que pensamos e isso é bom. O Governo diz que as coisas melhoraram muito e eu acho que não e posso dizê-lo”, apontou. Da experiência de vida que tem refere que o preço da liberdade é pago todos os dias e às pessoas “falta-lhes dinheiro no bolso”. A pobreza que conheceu garante que é hoje bem maior, pois nunca antes lhe tinham entrado tantos pedintes pela porta a suplicar por umas sandes ou bolos.
“Antigamente com 40 escudos não se vivia tão mal como hoje em dia com um ordenado de 600 ou 700 euros”, apontou.
Ele próprio garante que, se não fosse uma outra pequena casa que tem, com a reforma, de pouco mais de 250 euros, “passaria um mau bocado”. Uma realidade que o leva a jogar pelo seguro, até porque a idade “já não é a mesma”. Aos 75 anos, depois de 45 anos de trabalho, Augusto Poças prepara-se para fechar as portas porque, embora lhe custe”, é o que tem que ser”.