Chamamos-lhe um novo jazz pela surpreendente reinvenção do repertório musical apresentado. Sensorial, pelas emoções e memórias que desperta a voz doce de candura jovial de Elisa Rodrigues acompanhada por um dos melhores pianistas portugueses - Júlio Resende. "Nunca é demais dizer o nome de Júlio Resende. Ele é um músico formidável e merece ver o seu nome repetido muitas vezes", confidenciou ao público num diálogo tímido mas envolvente, de mais um concerto no âmbito do Douro Jazz, ontem, no Teatro Municipal de Bragança.
Ela, que de Bragança guardava uma não muito distante memória de quando, com cinco aninhos, veio aqui também cantar, mas num grupo coral, numa formação que começaria por ser clássica e que, só mais tarde, na descoberta de si própria, haveria de enveredar pelo jazz, numa recriação íntima e pessoal. "Dormi aqui num hotel e na manhã seguinte, antes da viagem, bebi um sumo de laranja que me deixou indisposta durante toda a viagem de autocarro", confidenciou arrancando sorrisos ao público. Um público que quis marcar presença e que, quase à última da hora, obrigou a alterar o concerto da Caixa de Palco para o Auditório Principal.
É que Elisa Rodrigues encarna, de uma forma simples mas não simplista, o sonho e a paixão pela arte que vai descobrindo num mundo cada vez mais formatado para a economia de consumo.
Foi uma hora e qualquer coisa de grande música, com dois grandes artistas a partilhar uma mesma linguagem, num repertório que nos levou do pop ao rock, de Nirvana a Elis Regina, num tom equilibrado que marca o seu primeiro álbum - "Heart Mouth Dialogues". Elisa Rodrigues não esqueceu os "conselhos" do pai. "Recordo-me sempre de ele criticar cantores que tentavam imitar outros, quase cantando por cima deles, e de dizer que mais valia estarem calados". Não é o caso de Elisa que, ao reinventar está a criar e a descobrir-se a si própria num caminho que ansiamos que continue a dar-nos boa música.