Agrupamentos e Conservatório foram confrontados com a informação já depois de seleccionadas as crianças para frequentar o regime articulado
Cerca de meia centena de crianças dos Agrupamentos Paulo Quintela e Augusto Moreno, da cidade de Bragança, vão perder o acesso gratuito ao Conservatório de Música, onde tinham ingressado pelo regime articulado depois de, em Julho, terem prestado provas.
As turmas já estavam constituídas, bem como os horários, quando as direcções dos Agrupamentos, a Câmara Municipal de Bragança e o próprio Conservatório, foram informados das novas directrizes. É que o Governo fez aprovar um Despacho a 3 de Agosto, com efeitos retroactivos, a partir de 5 de Julho, em que limita o financiamento dos cursos de iniciação e dos cursos básico e secundário em regime articulado, integrado e supletivo ministrados por estabelecimentos de ensino especializado da música da rede de ensino particular e cooperativo. Quer isto dizer que o financiamento para o ano lectivo de 2010/2011 não pode ser superior ao do ano anterior, o que limita a entrada de novos alunos. Com esta medida ficam goradas as expectativas da autarquia brigantina de ter 200 alunos a frequentar o regime articulado no Conservatório de Música.
“Fizemos a candidatura cientes que continuaria a haver financiamento correspondente ao custo com os professores, porque o município, através da Fundação Os Nossos Livros, sustenta outros encargos relacionados com a parte pedagógica, administrativa, financeira, entre outros”, explicou o presidente da câmara, Jorge Nunes. A suspensão da possibilidade de ampliação do financiamento a mais turmas em regime integrado faz com que apenas uma turma continue a funcionar nestes moldes, o que, no entender do autarca, mais uma vez vem prejudicar o interior. “O município fez todos os esforços possíveis. Chegamos a questionar a Direcção Regional de Educação do Norte se, face às orientações do Pacto de Estabilidade e Crescimento, ocorreriam eventuais restrições financeiras ao nível do ensino articulado, tendo-nos sido salientado que não. Temos pena porque era uma oportunidade muito importante para os jovens, uma vez que começamos mais tarde a este nível”, apontou.
Jorge Nunes entende mesmo que outros municípios, como a Maia ou o Porto, não terão sido tão afectados por esta medida, pois já há vários anos que tinham o Conservatório em funcionamento.
Mas mais frustrados ficaram os pais, encarregados de educação e as próprias crianças que contavam ingressar, pela primeira vez, no Conservatório e que, desta forma, poderão ver essa expectativa defraudada. A notícia apanhou todos de surpresa, inclusive as direcções dos Agrupamentos Escolares que tiveram de comunicar a informação aos encarregados de educação a poucos dias do início do ano lectivo.
“Quando tivemos a informação já o ano lectivo estava organizado, fomos surpreendidos com esta notícia muito desagradável para nós, para os pais e principalmente para os alunos que criaram expectativas e que, deste modo, não conseguem ter acesso ao regime articulado”, contou Luís Freitas, presidente do Agrupamento Escolar Paulo Quintela.
“Eu fui chamada a uma reunião na escola e pensei que seria por causa dos horários. Fomos apanhados de surpresa”, comentaram, no final de um encontro realizado na Paulo Quintela com encarregados de educação, dirigentes do Agrupamento e responsáveis do Conservatório.
José Rodrigues, outro dos encarregados de educação presentes, considerou mesmo que houve, por parte do Governo, uma “falta de respeito” por toda a comunidade educativa, sobretudo pelas crianças. “As crianças criaram expectativas e, agora, só aquelas que têm posses para pagar as propinas do conservatório é que vão poder ingressar, isto se tiverem vagas. Estão a criar elites e a desinvestir no futuro da região”. As próprias crianças que acompanhavam os pais mostraram-se desalentadas com tal novidade: “Prestamos provas para entrar no conservatório, mas parece que já não vamos ter aulas”.
Sabe-se que ainda há vagas para os alunos que se queiram inscrever no regime supletivo, mas as propinas são apenas financiadas em 50 por cento, cabendo aos pais/encarregados de educação o pagamento de 100 euros mensais. “Quem legislou, acabou com o sonho de muitas crianças e esqueceu que há quem precise”, reclamava José Rodrigues. Alguns partidos com assento na Assembleia da República já pediram explicações ao Governo, como foi o caso do PSD, do PCP ou do Bloco de Esquerda. O grupo parlamentar do PSD considera mesmo que esta medida vai fazer “ressurgir” um fosso, em termos de igualdade de acesso, entre os alunos que beneficiam da possibilidade de frequentar uma escola pública de ensino especializado em música e aqueles que, por razões diversas, nomeadamente geográficas, não o podem fazer. Uma opinião partilhada pela Federação Nacional de Professores que salienta, também, o prejuízo que esta medida traz para a região interior.
O Conservatório de Música de Bragança abriu portas há seis anos, mas só no ano lectivo de 2009/2010 é que se iniciaram os cursos em regime articulado, com um total de 27 alunos. Ainda assim, no ano lectivo anterior, a instituição foi responsável pela coordenação pedagógica das Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC’s) no ensino de Música às mais de 950 crianças do 1º ciclo do ensino básico do concelho. Ao todo, no ano lectivo passado, foram mais de mil os alunos que frequentaram o Conservatório, entre alunos das AEC’s, do regime articulado e da própria instituição.
Carla A. Gonçalves/Mensageiro Notícias