Portugal é "uma mutualidade", uma entidade unificada, onde não cabem regionalismos. Nem dos grandes, políticos, nem dos pequeninos, afectivos e de pura rivalidade.
Nacionalista convicto - "nos tempos que correm, é um defeito" -, o bastonário da Ordem dos Médicos (OM) cumpre os últimos meses de mandato igual a si próprio. "A OM nem é a oposição de serviço (ao Ministério da Saúde), nem o aplauso de serviço". E por isso é que Pedro Nunes dá uma no cravo e outra na ferradura. E não será só por estar numa informal conversa, à mesa com o JN.
Valença tinha, obviamente, que estar no menu. Nacionalista, pois, não achou piada às bandeiras de Espanha no final do Minho. Mas já achou ao facto de terem ido à RTP com as de Portugal. "A população não tem culpa: se tem uma solução ali ao lado, ora, é Europa". Quem tem é o Governo. Se não neste caso de Valença - a reforma das urgências "está tecnicamente correcta" e, ali, cumpre-se o preceito do serviço adequado a menos de 30 minutos, o resto é a questão afectiva do vizinho que tem mais do que eu -, tem-na noutros pontos do país. Em Bragança, por exemplo.
É aqui que entra a "mutualidade". "O Governo tem que saber que um português de Miranda do Douro tem os mesmos direitos que os de Lisboa. Para que tenha os mesmos direitos que eu, sai mais caro, mas o país tem que estar preparado para isso. E por isso é que há uma lógica retributiva nos impostos."
E o argumento de que não vale a pena ter um médico no centro de saúde para atender uma ou duas pessoas por noite e, por essa via, retirá-lo do atendimento dos utentes durante o dia? "Serve se estivermos a falar ali da Avenida dos Aliados. O Dr. Pizarro (secretário de Estado Adjunto e da Saúde) tem que acrescentar alguma coisa ao argumento: a maior parte das situações não são urgências, é verdade, mas uma vez por ano, duas, há uma verdadeira urgência. E tem que ser atendida a menos de 30 minutos. Tenho que ter a mesma probabilidade de sobrevivência em qualquer ponto do país".
Não obstante, Pedro Nunes está "com a reforma técnica". Porque as rivalidades locais, conhece-as de quando fez serviço médico à periferia em Oliveira de Azeméis e assistia às quezílias com S. João da Madeira. O mal foi a prestação do ex-ministro da Saúde. "Correia de Campos tomou atitudes impensáveis. Fechou antes de abrir, ao arrepio das razões técnicas. Felizmente, Ana Jorge reverteu a fórmula: começou a abrir antes de fechar".
É o drama dos números, que o bastonário dos médicos rejeita como argumento. E de Valença se passa para o resto da Saúde de Portugal. Comparada com "o desejável", põe a cruz no "muito mau. Comparada com o que há em Portugal, escolhe o "bom". "Mas não tem melhorado muito" e a classificação ameaça perder-se se seguir no caminho que Pedro Nunes entende ser o que está a ser percorrido actualmente: colocar o serviço público em concorrência com o privado. Este só pode ser "complementar".
Só sendo o público a pedra basilar do sistema poderá o Estado interferir no desenvolvimento da saúde. Com uma sucessão de unidades independentes, perde-se a capacidade de organização. "Quando deixa de ser o mais importante o cidadão ter o mesmo acesso em qualquer lado, corre-se o risco de privilegiar os doentes com mais meios ou as doenças economicamente rentáveis". Conclusão: a igualdade de acesso à saúde leva a cometer algumas irracionalidades económicas, mas colocou Portugal nos lugares cimeiros "do ponto de vista da humanidade". Uma mutualidade então? "De gente que se apoia independentemente da situação de cada um".
Fonte: JN