A Albufeira do Azibo é um dos locais turísticos mais procurados no Nordeste Transmontano, pese embora, a nível nacional, ainda sejam poucos aqueles que conhecem este verdadeiro “oásis” nascido pela mão do homem num local que já foi uma espécie de “deserto”.
Construída nos anos 70, a barragem foi pensada para suprir as carências de água do concelho macedense e para servir a agricultura, através da rega por gravidade para todo o vale de Macedo de Cavaleiros, Brinço, Cortiços e Chacim. Mas quando o empreendimento foi concluído, rapidamente as populações locais começaram a acorrer ao local, atraídas pelo enorme espelho de água.
Com a criação das praias fluviais, a construção dos acessos, de um cais de embarcação e de um parque de merendas, a Albufeira tornou-se num sítio verdadeiramente aprazível e convidativo ao descanso.
Ao local já lhe chamaram até um “manual do ambiente por si só”, a que acresce ainda o facto de ter disponíveis, hoje em dia, duas praias com bandeira azul, uma delas galardoada consecutivamente desde 2003, sendo a praia que, até hoje, mais bandeiras azuis teve atribuídas em Portugal e na Europa. Factores que atraem ao local milhares de visitantes, todos os Verões, e que levam a câmara municipal a apostar no desenvolvimento turístico daquele local. Em volta do grande lago foram depositadas toneladas de areia e construídos equipamentos públicos para fruição e lazer. Vários nadadores-salvadores asseguram a segurança das praias, promovendo as boas práticas e fornecendo conselhos e informações aos veraneantes.
Assinala-se que nas praias do Azibo nunca se registou nenhum incidente grave, motivo que, este ano, levou a que ali arrancasse, oficialmente, a nível nacional, a campanha “Verão de Campeão”, uma iniciativa da do Instituto de Socorro a Náufragos (ISN) e da Fundação Vodafone, que visa a sensibilização e o incremento da cultura de segurança nas praias.
Uma nova praia, do outro lado da margem poderá nascer, no próximo ano, de forma a possibilitar um melhor acesso a partir da cidade de Macedo de Cavaleiros e a garantir a qualidade de excelência do local.
O alojamento continua a ser uma lacuna que a autarquia pretende suprimir. Os visitantes podem ficar nas muitas unidades de turismo de habitação existentes no concelho bem como nas unidades de alojamento da cidade. Na cidade está ainda em construção um novo hotel mas Beraldino Pinto, presidente da câmara, confessa que ainda há “dificuldades em corresponder a toda a procura”.
O alargamento da oferta pode passar pela construção de um parque de campismo, uma infra-estrutura que poderá vir a ser construída por privados, desde que autorizada pelas entidades que gerem a Paisagem Protegida.
Este desenvolvimento terá que seguir os regulamentos que vierem a ser ditados pelo Plano de Ordenamento da Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo, um documento que se encontra actualmente em apreciação e discussão e que a autarquia espera que venha a compatibilizar as diferentes utilizações que têm sido dadas àquele espaço.
História de uma paisagem alterada pelo homem
Quando o visionário engenheiro Camilo Mendonça pensou em construir a barragem do Azibo, em Macedo de Cavaleiros, certamente não terá imaginado o potencial turístico e ambiental que estava prestes a nascer.
Localizada numa área marcadamente árida, a albufeira do Azibo veio transformar toda aquela paisagem e ajudar à criação de biodiversidade que, de outra forma, nunca existiria naquele local. Em verdade, se a construção da barragem do Azibo tivesse sido sujeita a estudos de impacto ambiental, como acontece hoje em dia, provavelmente não teria sido aprovada, pelo menos não o seria tal e qual como a conhecemos hoje.
É que, a grande massa de água, (55 milhões de metros cúbicos), alimentada pelo rio Azibo e por pequenos ribeiros, veio alterar toda uma paisagem marcada pela aridez dos verões muito quentes e invernos rigorosos, criando um microclima mais próximo do Mediterrâneo, alterando a paisagem e favorecendo o aparecimento de outros ecossistemas.
Quando o empreendimento foi concluído, em 1982, previa-se que demorasse cerca de um ano a encher completamente, mas o rigor das chuvadas que então se fizeram sentir, provocaram um rápido enchimento da albufeira, em menos três de meses, alagando uma área superior àquela que tinha sido pensada. As operações de limpeza não foram concluídas a tempo, tendo sido inundados vários campos com sobreiros, lameiros, bem como algumas corriças de animais.
Hoje sabe-se também que a barragem veio inundar alguns locais de interesse arqueológico significativo e, de uma maneira geral, perturbar o ambiente natural daquela zona. Contratempos que nunca foram contabilizados devido à ausência do estudo de impacto ambiental mas que, a longo prazo, vieram a ser ultrapassados por todo um conjunto de factores que, hoje, tornam o Azibo um local de excelência, em termos de biodiversidade e turismo, e um local que mantém os objectivos para o qual foi criado – a rega agrícola e o abastecimento público.
Azibo – “um laboratório de experiências”
Com a afluência de cada vez mais pessoas à Albufeira, começaram-se a realizar as primeiras abordagens cientificas ao ecossistema do local e decidiu-se avançar com a criação da Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo.
Esse passo foi fundamental para a protecção e conhecimento da biodiversidade do local e fez do Azibo uma espécie de “laboratório de experiências no que diz respeito às áreas protegidas”. É que o Azibo é uma Paisagem Protegida que só existe como tal pela construção da barragem, conforme notou Manuel Cardoso, presidente da comissão directiva da Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo.
“Não fosse o facto de ter sido construída uma albufeira e não conheceríamos a Paisagem Protegida do Azibo tal como ela é hoje. Teríamos uma paisagem na orla daquilo que é a Rede Natura 2000 do monte Morais, mas não seria com esta biodiversidade que temos hoje”.
Numa área de cerca de quatro mil hectares coexistem uma diversidade de aves migratórias que fazem ali escala e que tornam aquele espaço como um ponto privilegiado para a observação de diversas espécies. Há ainda várias espécies de mamíferos, répteis, anfíbios e peixes possíveis de observar durante todo o ano através de actividades direccionadas para o efeito. Mas se alguns mamíferos permitem a aproximação razoável do ser humano, ou são passíveis de observar ou ouvir, outros há que têm comportamentos nocturnos e que requerem maior “investigação” para serem identificados.
Já a flora é marcada pelas formações de sobreiro e manchas de carvalho negral e carvalho-cerquinho, mas não só. Para além de uma grande representatividade de espécies denominadas “Quercus” e de toda uma flora que é mais tradicional ocorrer nesta região, há ainda as orquídeas silvestres, que aparecem durante os meses de Maio e Junho, bem como os narcisos ou as tulipas bravas, a par dos fungos que aqui também têm forte expressão.
Um mundo de biodiversidade que é dado a conhecer ao visitante através de trilhos, devidamente sinalizados e interpretados, que fazem ainda a aliança entre o que é o património natural e o património humano e cultural. É o caso do trilho dos Caretos, que passa pela casa do Careto, em Podence; ou o trilho dos Fornos, que destaca a recuperação dos fornos de Salselas. Depois há ainda o trilho Ricardo Magalhães, mais voltado para a valorização natural; o trilho Quercus, onde estão presentes as espécies “quercus”, como o carvalho negral ou o sobreiro, permitindo observar onde o rio Azibo entra na paisagem protegida. O visitante pode ainda percorrer a ciclovia, entre Macedo de Cavaleiros e a Albufeira, ou circundar grande parte das margens.
Ecoresorts à espera do aval do ICNB
A câmara de Macedo de Cavaleiros quer apostar na construção de ecoresorts na Albufeira do Azibo e até já tem dois projectos empresariais orientados nesse sentido, com propostas muito consistentes, mas que têm “esbarrado” na falta de clarificação da abordagem que o Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) quer dar à Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo.
O Plano de Ordenamento está em estudo mas, segundo Beraldino Pinto, presidente da autarquia, “não tem corrido bem” porque o ICNB tem outro “entendimento” do que deveria ser a envolvente da albufeira do Azibo.
A autarquia encomendou até um estudo de marketing territorial à Sociedade Portuguesa de Inovação (SPI), orientado para as questões do turismo, e que apontou a Albufeira como um dos produtos âncora a ser trabalhado para desenvolver esta actividade no concelho. João Medina, um dos responsáveis do estudo, diz mesmo que “o Azibo é o produto turístico mais conhecido de Macedo de Cavaleiros”, motivo pelo qual ali devem ser realizados investimentos, em consonância com o estatuto ambiental daquela área, mas potenciando o turismo.
Esse é o entendimento que tem também Beraldino Pinto que acredita que projectos como os ecoresorts têm de integrar uma componente ambiental e ser uma mais-valia para o ambiente.
“As pessoas que vêm para este tipo de equipamentos, vêm pela qualidade do ambiente e da paisagem”, considerou. “Queremos permitir que haja um usufruto por parte de quem está disposto a pagar e que tal sirva para aumentar o rendimento das famílias, através do rendimento das empresas”.
O edil não aceita que não haja possibilidade de concretizar esse tipo de investimentos e considera que vai ter de se encontrar um ponto de entendimento com o ICNB.
“Não tem sido possível, mas esperamos que a breve prazo se consigam ultrapassar esses problemas”, apontou, acrescentando que o desenvolvimento sustentável não tem de passar pelo abandono do território, mas antes pela sua ocupação correcta. “Nós já demos provas do que é preservar e hoje a Paisagem Protegida do Azibo é um território que recuperou em termos de biodiversidade”, justificou.
No plano de marketing territorial definido pela SPI são definidas várias linhas de acção que têm como objectivo aumentar a visibilidade turística do concelho. Nesse projecto, a Albufeira do Azibo é apontada como um dos três produtos âncora a trabalhar, a par com as Aldeias de Cavaleiros e o Parque Geológico de Morais.
Plano de Ordenamento em estudo
O Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) encomendou um estudo a uma equipa técnica que já apresentou quatro cenários distintos mas sobre os quais a câmara municipal aponta várias divergências. Em cima da mesa está a possibilidade da renaturalização total do espaço; a manutenção da situação actual (status quo); o desenvolvimento agrícola e florestal; ou o desenvolvimento do turismo.
A autarquia defende que o novo Plano de Ordenamento, que tem como horizonte 2030, venha a ser, simultaneamente, um plano de desenvolvimento, mas, segundo o presidente da autarquia, tem havido alguns “entraves a esta perspectiva”.
O autarca considera que o espaço é essencial para o desenvolvimento do turismo na região mas defende, ao mesmo tempo, a compatibilização dos usos, como tem acontecido. Uma opinião que é também partilhada por Manuel Cardoso, presidente da Comissão Directiva da Paisagem Protegida da Albufeira do Azibo. O responsável pensa que é possível compatibilizar as diferentes vertentes até porque o local só se tornou naquilo que é hoje, uma paisagem protegida, pela acção directa do homem (construção da barragem). “Não podemos pensar que vamos ter aqui um santuário ambiental a preservar, retirando daqui as actividades humanas”, apontou, dizendo que tal é “impensável”. Por outro lado, Manuel Cardoso defende também que qualquer actividade, investimento ou utilização do espaço, só faz sentido enquanto este mantiver o estatuto de Paisagem Protegida. “Caso contrário perde-se a excelência sítio. O Plano tem de nascer do conjunto de diferentes visões”, considerou.
O Plano de Ordenamento está numa fase adiantada de elaboração mas a discussão técnica já se arrasta há alguns anos. Quando o ICNB entregar os documentos e depois de seguidos os trâmites normais, o Plano deve ser alvo de uma discussão pública na qual todos poderão intervir.
Carla A. Gonçalves