Portador do síndrome de Larsen, Cláudio João encontrou na pintura um modo de vida e de expressão. O dom com que nasceu ajuda-o a ultrapassar as limitações físicas de uma doença incurável
Cláudio João tem 21 anos e é portador do síndrome de Larsen, uma doença incurável que lhe afecta todas as articulações e a locomoção. Mede apenas 1,20 metros de altura, tem dificuldades em se expressar e foi-lhe diagnosticada surdez bilateral profunda. As limitações físicas, no entanto, não lhe condicionam o dom que, desde cedo, mostrou ter para a arte, nomeadamente para a pintura.
Na sua terra natal, Cicouro, em Miranda do Douro, possui um atelier onde é visitado por inúmeras pessoas, curiosas do seu engenho e talento excepcional.
Vencendo as barreiras físicas, Cláudio encontrou uma forma particular de desenvolver a sua arte e de se exprimir: primeiro pinta com a mão esquerda até à altura da boca, depois, com a ajuda dos pais, vira o quadro do avesso e conclui a pintura, com uma precisão e minuciosidade que impressionam.
Cláudio já sofreu sete intervenções cirúrgicas, as duas primeiras, com três e quatro meses de idade, para debelar duas hérnias inguinais e, as restantes, para tentar corrigir os braços, pernas, mãos e a coluna vertebral. Já teve talas nos pés e nas mãos. E, para equilibrar e corrigir a coluna vertebral, foram-lhe colocadas duas barras metálicas, que não podem ser retiradas mas, porventura, substituídas, futuramente. Uma história de vida difícil, feita de altos e baixos, marcada por uma luta invulgar pela sobrevivência.
Na sua nota biográfica, a família dá conta disso mesmo. Aos 16 anos, o jovem Cláudio teve de fazer uma intervenção cirúrgica à coluna cujo sucesso era “escasso”, assim como as hipóteses de sobrevivência. Na altura, a mãe encontrava-se sozinha com a responsabilidade de assumir, por escrito, a responsabilidade. Indecisa e receosa, tomou a decisão depois de Cláudio lhe dizer, com dificuldade, “eu operar!...Tu, mãe, forte!...”
A delicada e demorada intervenção cirúrgica realizou-se com sucesso, pese embora o jovem tivesse de ser reanimado duas vezes nas 48 horas seguintes.
“Sofreu como um cordeirinho aquele suplício, dores e recuperação morosa, por vontade expressa”, dizem os pais, na nota biográfica.
A força de vontade para vencer tem sido, no entanto, uma constante da sua vida e da vida dos familiares, que desde sempre o apoiaram na concretização dos seus sonhos.
Embora tivesse demonstrado, desde cedo, o seu talento para o desenho à vista, só com 14 anos é que começou a pintar, com lápis a carvão. Um ano mais tarde já pintava em telas e a família, atendendo ao sonhos do jovem, depressa arranjou um atelier onde Cláudio, actualmente, tem aulas com uma professora de Belas Artes e aprende algumas técnicas fundamentais. O dom, esse, parece ter nascido com ele.
“Vimos que ele tinha gosto e no atelier pode desenvolver mais as suas capacidades e aprender algumas técnicas”, contou.
Paisagens urbanas e rurais, motivos florais, paisagens abstractas são alguns dos temas que Cláudio João aborda com uma técnica surpreendente em que sobressaem as cores vivas, os relevos e as sombras.
A nova exposição patente no Centro Cultural de Vimioso até ao dia 31 de Maio, mostra alguns destes seus trabalhos. Quem assistiu à inauguração ficou sensibilizado pela coragem do jovem pintor e de toda a família.
Todos os quadros se encontram para venda, a preços bastante acessíveis, entre os 60 e 350 euros. De todo o espólio em exposição apenas uma das telas é de colecção: é o primeiro quadro que Cláudio pintou, uma flor branca com talo amarelo, conhecida popularmente como “copo de leite”.
Com a ajuda da irmã Ana, por gestos e palavras simples, Cláudio contou que busca inspiração no que o rodeia – nas paisagens, nas imagens que vê em revistas ou catálogos.... Já sobre a mensagem que quer passar, Cláudio preferiu o silêncio. “É pessoal”, diz a irmã, sublinhando, uma vez mais, que a pintura é a forma de expressão do seu irmão mais velho.
Cláudio demora algum tempo a concluir cada trabalho artístico. Depende muito do tema e do tamanho da tela, bem como das técnicas utilizadas, mas são dias e dias de trabalho intenso.
Segundo a irmã, ““pintar para ele não é difícil”, embora reconheça o “engenho” do irmão. “Eu não tenho jeito nenhum”, contou, comentando que, para ela, o trabalho de Cláudio é, simplesmente, “fantástico”.
O pai, produtor da raça mirandesa, acalenta os sonhos do filho e é com emoção que aponta que, com estas exposições, pretende mostrar as capacidades de Cláudio João, bem como as possibilidades que qualquer pessoa tem de chegar mais longe.
“Por uma pessoa ser deficiente não deve ficar retraída. Pode-se sempre trabalhar e tentar ir mais além e ele pode ir bastante longe”, apontou.
As pinturas de Cláudio João estão durante todo este mês em exposição no Centro Cultural de Vimioso.
O que é a Síndrome de Larsen
A síndrome de Larsen é uma doença rara, cuja ocorrência é de uma em cem mil pessoas, e que se caracteriza pela luxação congénita de várias articulações do corpo, juntamente com outras características incomuns da face, mãos e ossos.
Esta doença foi descrita, pela primeira vez, em 1950, por Larsen, Schottstaedt e Bost, que compilaram informações sobre seis pessoas com este problema.
A síndrome de Larsen provoca alterações da estrutura óssea e a síndrome de hipermobilidade.
Segundo a Gale Encyclopedia of Genetic Disorders Part II, 2005, esta doença não afecta a inteligência nem o percurso escolar normal da criança, excepto no que diz respeito às actividades físicas.
Os efeitos da síndrome variam de pessoa para pessoa, mas, segundo a Gale Encyclopedia of Genetic Disorders Part II, 2005, o prognóstico pode ser de uma vida normal embora com limitações a nível físico.