Já desenhou caricaturas e cartoons para grande parte dos jornais de Bragança, mas são os originais trabalhos de banda desenhada que mais se destacam no eclético currículo de José Rodrigues, conhecido pelo nome artístico de Zé Da Fonte.
Apesar de pouco (re)conhecido pela comunidade em geral, os seus trabalhos são de uma qualidade inegável, que levam instituições como a Universidade de Coimbra a solicitar-lhe créditos para a ilustração de obras. Da Fonte não agarrou a oportunidade, por falta de tempo ou por excesso de pedidos. É que, para além de caricaturas, cartoons, ilustrações e banda desenhadas, José dedica-se também à pintura em tela, em azulejo e à escultura. A par disso tem com o irmão um gabinete de projectos que lhe ocupa grande parte do dia.
Se pudesse dedicaria todo o seu tempo à banda desenhada. “A cem por cento”, reitera. A paixão despertou cedo, com a oferta de um livro do Astérix pelo seu pai, e levou-o, com apenas 16 anos a trabalhar num gabinete de projectos.
Tudo começou com uma “brincadeira”. José andava então no Liceu de Bragança, onde frequentava o curso de Arte e Design. Foi nessa altura que conheceu o arquitecto Carlos Guerra que, vendo o jeito do jovem para o desenho, ofereceu-lhe um pequeno manual sobre técnicas para banda desenhada.
Mas não foi apenas o arquitecto que reconheceu no jovem um potencial talento, também os pais mostravam já orgulho e depositavam grandes expectativas no “jeito” do rebento. Sabendo disso, e numa altura em que os agricultores viviam um verdadeiro “lufa lufa” para a entrega de projectos agrícolas, José integrou então o gabinete da Zona Agrária da Terra Fria.
“Precisavam de alguém que fizesse desenhos rápidos para os projectos dos agricultores e também para panfletos sobre as técnicas para tratar oliveiras, combater pragas. Quando tinha um furo ou um tempo livre no liceu, ia até lá fazer uns desenhos”, recordou.
Adriano Diegues, já então responsável pela Caixa Agrícola e conterrâneo, deu também uma “ajudinha”, tendo sido fundamental na publicação da primeira b.d..
Paralelamente, José ia aperfeiçoando o traço, com a concepção de mini bandas desenhadas para consumo interno. Sempre acompanhado do bloco de notas e de um lápis, foi cumprir serviço militar para Lamego. Ali ganhou uns “trocos” a fazer retratos das namoradas dos soldados ou caricaturas, e seria ali que realizaria o seu primeiro grande trabalho: a ilustração sequencial de nove volumes, cada um com 800 páginas, sobre as técnicas de instrução militar.
“No intervalo das instruções militares ficava na caserna, ganhava a vida a fazer tatuagens nos outros e a fazer retratos das namoradas dos colegas. Um dia, o comandante da unidade pediu-me para o acompanhar. Pensei, “estou tramado”, ainda nem tinha jurado bandeira! Quando cheguei lá perguntaram-me se era capaz de tomar conta de um gabinete de projectos para a unidade e, a partir daí, desenvolvi uma série de trabalhos”.
Regresso a Bragança
Entre ficar a trabalhar em Lamego ou regressar à terra natal, José preferiu regressar e concluir o curso de Artes Visuais no Instituto Politécnico. Aluno de pintores reconhecidos, como Luís e Helena Canotilho, José toma então contacto com outras áreas artísticas como a pintura em azulejo, uma actividade que hoje em dia lhe ocupa grande parte do tempo.
A par com o trabalho de gabinete, foi convidado a fazer bandas desenhadas institucionais, como foi o caso da Corane ou da Norcaça. Terá sido por esta altura que começou a fazer cartoons e caricaturas para a imprensa regional, assinando já com o nome Zé Da Fonte, numa homenagem aos bisavós, da aldeia de Nogueira.
“Assumi a nomeada Da Fonte numa homenagem aos meus bisavós. A nossa casa da aldeia fica junto a uma fonte e, naquela época, sempre que na aldeia pediam abrigo ou uma malga de sopa as pessoas indicava a casa dos Da Fonte como aquela onde se dava abrigo. Fiquei com o apelido em homenagem à família e ao facto das pessoas terem ali sempre uma porta aberta”, contou.
A banda desenhada passou a ser apenas um hobby ao qual se dedicava com a paixão de quem tem como lema um dito de Pessoa, “põe quanto és no mínimo que fazes”.
Inspirado por um antigo livro fotocopiado nos tempos de liceu, da autoria de Daniel Rodrigues, José começou então a escrever a Lenda do Conde de Ariães em quadradinhos, “quando tinha tempo livre”.
Um “cérebro aberto”
A curiosidade e o gosto pela arte levaram-no, desde sempre, a explorar vários caminhos, “para não ficar refém de um só trabalho”. Na caricatura inspirou-se no francês Honoré Daumier, mas também nos portugueses Onofre Varela, António ou Artur. Quis o acaso que um familiar seu, emigrante em França, encontrasse na “pubela” (lixeira), um livro de Honoré Daumier sobre caricaturas.
Uma das técnicas do francês consistia em pegar numa pêra e escavá-la, literalmente, até fazer a cara de uma pessoa. “Abriu-me o cérebro”, disse Da Fonte. Mais tarde, quis novamente o destino que se cruzasse com as suas referências portuguesas: Onofre Varela e Artur.
“Soube que eles vinham a um bar da cidade e passei a noite toda com eles a fazer caricaturas”, recordou.
A partir daí nunca mais parou. “As coisas aparecem assim e há que lhes dar sequência”, constatou.
Enquanto mantinha o gabinete de desenho, Da Fonte nunca parou de explorar as diferentes áreas artísticas. Na pintura esteve ligado à “mini academia” ProArtis, uma associação que existiu em Bragança, na rua Direita, onde se promoviam a arte, a dança, ou o teatro. Já na escultura, mais um acaso de quem nasce com o “bichinho das artes”: com um resto de betume e um palito dá forma a Alexandre Bell. Outra altura, na aldeia, em Nogueira, de uma pedra deu forma a um soldado romano, tendo como ferramenta uma chave de fendas.
“Esqueci-me daquilo no lameiro e mais tarde um senhor da aldeia encontrou-o e queria levá-lo ao museu”, conta divertido, arrancando gargalhadas a quem ouve as suas histórias.
Ao mesmo tempo, na imprensa regional, o sentido crítico e a curiosidade davam origem a cartoons que retratavam a vida política local.
Os retratados nunca se zangaram com Da Fonte. O humor que põe em cada quadradinho foi sempre suficiente para arrancar sorrisos ao político mais carrancudo e muitos foram os que lhe pediram o trabalhos como “recordação”.
“O humor prende as pessoas”, explica Da Fonte, salientado, no entanto, que nunca o seu trabalho teve o intuito de “espezinhar”.
“Procuro dar a minha opinião e espicaçar mas sem ofender porque todos temos sentimentos e quem sou eu para julgar os outros? São apenas críticas com sentido construtivo”.
A paixão pela banda desenhada
Na banda desenhada, Da Fonte quis ir mais longe e empenhou-se num trabalho à custas próprias que lhe levou uns cinco anos a concluir: a história em banda desenhada do ilustre Abade de Baçal. De uma simples ideia nasceu um trabalho que relata a vida do pároco, as histórias e estórias de um personagem que marcou toda a cultura transmontana.
A recolha levou-o a procurar pessoas que conviveram com o Abade. Ouviu dezenas de relatos e passagens sobre um homem que foi mais do que um pároco.
No fim, escreveu o argumento, desenhou os personagens inspirado nas atitudes e comportamentos que estes teriam e quando finalizou o trabalho decidiu dá-lo a conhecer através da imprensa regional, tal como já tinha feito com a Lenda do Conde de Ariães. Ao longo de um ano, no última página do Mensageiro, lá vinha uma prancha da história de um dos maiores vultos transmontanos. Apesar de terem sido muitos os pedidos, Da Fonte nunca chegou a publicar a banda desenhada em livro. Faltou o reconhecimento?
“As pessoas pensam que só há artistas no Porto ou em Lisboa”, assumiu Da Fonte. “Já me disseram que estava em Bragança a perder tempo, mas eu gosto da minha terra e se alguém quer os meus trabalhos vem fazê-los cá cima”.
E é com frequência que lhe chegam os trabalhos. Do Brasil pediram-lhe a pintura de uns azulejos com motivos do Douro. Do Porto veio o pedido para a concepção de uns convites com a caricatura dos noivos. De Coimbra solicitaram a ilustração de uma obra universitária, um trabalho que teve de recusar.
Às noites, com antigos frequentadores da extinta ProArtis, vai ensinando técnicas de pintura enquanto mete mãos à obra para concluir uma escultura de Jesus Cristo, encomendada para uma capela da cidade. Ao mesmo tempo, ocupa-se de dar forma a uma nova banda desenhada, a pedido do Centro Social e Paroquial de Rossas, para o qual fez já um livro sobre as boas práticas nas instituições sociais.
Trabalho não lhe falta, nem tempo, “dá sempre tudo”. Falta só talvez o reconhecimento. Sobre isso José aponta o dedo aos políticos locais e entidades com responsabilidade civil que, na sua opinião, deveriam ajudar a projectar “pessoas com valor” até porque “a imagem de uma terra tem muito a ver com os artistas da terra”. Mas é sem mágoa que Da Fonte encara estas questões, antes com o optimismo de quem usa o humor para dar umas “ferroadas”.
Carla A. Gonçalves