Os nevões que têm caído na região transmontana não estão relacionados com o aquecimento global nem com as alterações climáticas. São fenómenos extremos que podem ocorrer em qualquer clima e que resultam de inúmeros factores atmosféricos. A explicação científica foi dada pelo mais antigo investigador do clima e único professor catedrático em meteorologia do país – João Corte-Real – que esteve em Bragança, na passada sexta-feira, a convite do Centro de Informação Europe Direct.
Os nevões ocorreram porque parte do território português ficou sob a influência de sistemas frontais de grande actividade. “São ocorrências que resultam do facto da atmosfera se mover para cumprir as leis da física”, ou seja, quando a diferença de temperaturas excede um determinado valor, a atmosfera fica instável e essa instabilidade manifesta-se na formação de sistemas frontais para reduzir essa diferença de temperatura.
Esta instabilidade da atmosfera e a sua complexidade justificam a normalidade dos fenómenos extremos do tempo meteorológico até porque “a atmosfera é um sistema tão complexo que as respostas não são proporcionais aos estímulos”.
Segundo João Corte-Real não está provado que a actividade humana esteja relacionada com o aumento das temperaturas ou com o aumento do número de episódios frontais e essa será uma “equação” difícil de resolver até porque clima e tempo não são sinónimos.
“O clima é aquilo que esperamos. O tempo é aquilo que temos. Ou seja, o tempo é previsto com base num conjunto de fenómenos que ocorre em determinado momento, é previsto diariamente e essas previsões podem ser confrontadas com a realidade. Já relativamente ao clima há apenas projecções futuras, feitas com base em dados estatísticos, e não se pode afirmar que esses cenários venham a ser a realidade”.
O investigador assume que o clima em Portugal tem vindo a alterar-se ao longo dos anos e há inclusive estudos que demonstram uma evolução das temperaturas máximas em vários locais do país, sendo clara a tendência para uma significativa subida. A actividade humana pode estar relacionada com estas modificações, mas é preciso avaliar todas as componentes e o seu potencial efeito.
“Nos últimos anos houve incêndios florestais, alguns deles catastróficos, que provocaram a alteração do uso dos solos. Houve alterações na agricultura, o interior está a desertificar-se, houve um aumento de carros e autocarros em circulação, ou seja, há muitas componentes cujo efeito é preciso avaliar”, defendeu.
Apesar das dúvidas manifestas, João Corte-Real concorda com a prioridade da União Europeia no combate às alterações climáticas: “o que se pretende é que a actividade humana se altere para que a sua contribuição para o aquecimento global seja diminuída”.
Ao longo dos últimos 150 anos, a temperatura média aumentou quase 0,8ºC em todo o mundo. A redução da emissão de gases poluentes para a atmosfera é apenas uma das medidas que poderá mitigar as alterações climáticas.